
Muito se fala sobre o cérebro, sobre o sistema nervoso, que comanda todas as nossas ações, comportamentos e atitudes, conscientes ou inconscientes. De facto, e independentemente da condição de saúde do sistema nervoso, ele é o grande responsável de toda a evolução humana. Para que esta evolução ocorra, considerando este processo contínuo com patamares de complexidade gradual e basilar no período intra-uterino.
Quando nascemos, todas as partes do nosso cérebro já foram estabelecidas, mas ainda não se encontram a funcionar corretamente. Para que tal aconteça, e que todas as partes funcionem como uma unidade só, estas devem ser desenvolvidas e conectadas umas às outras. A beleza na evolução do movimento do bebé é absolutamente incrível num decurso cuja qualidade do movimento é proporcional às competências adquiridas. Quanto mais a criança conhecer o seu corpo, mais capacitará o seu sistema nervoso de aprendizagens e subsequente aquisição dos diversos estadios do desenvolvimento sensório-motor. Alcançar movimento, é portanto o objetivo do bebé e todos os processos subsequentes dele dependem. O primeiro grande desafio é o momento do nascimento, onde o bebé encara este alcançar de movimento, vencer a gravidade, numa primeira instância, apesar de todos os seus movimentos serem reflexos. E é aqui, onde surge o processo chave e facilitador para a criação do movimento consciente e voluntário, os ditos reflexos primitivos, os quais, são integrados para dar lugar a funções mais complexas e fundamentais para o neurodesenvolvimento. O processo de integração de reflexos primitivos é abrangente, ocorre no tronco cerebral, estrutura subcortical responsável pelo controlo de necessidades vitais, entre outras, tão importantes de serem paulatinamente descobertas à medida que o bebé também explora o movimento, numa tentativa de protecção, e cria as suas rotinas como o sono e a alimentação. Do tronco cerebral também emergem nervos, os pares cranianos, relacionados com funções visuais, orais, audição, equilíbrio e coordenação. A amamentação é uma excelente actividade neste processo. O bebé succiona, deglute (nervos orais e auditivo), mantém o contacto ocular entre a mãe e a mama (nervos visuais), posiciona a cabeça à medida que melhora o seu controlo cefálico (equilíbrio) e articula os vários segmentos corporais, boca, mão e cabeça (nervos coordenação), para levar a cabo a tarefa. É com base nesta interação inicial que activamos o tronco cerebral, numa futura simbiose com zonas corticais eficazes. Mas para que tudo isto possa acontecer, o bebé precisa de ter um tónus muscular suficiente para ser capaz de se mover e estimular a ligação das diferentes partes do cérebro. Os vários tipos de estimulação externa enviam importantes sinais dos órgãos dos sentidos tátil, vestibular e propriocetivo para os centros do tronco cerebral . Nem todos os reflexos são integrados ao mesmo tempo. São padrões inatos incondicionados, onde todos os indivíduos nascem com eles e apresentam como desafio a sua integração. Cada um deles interage de modo diferenciado com os vários sentidos almejando competências de complexidade gradual inerentes às diversas etapas do desenvolvimento. Assim, os reflexos que potenciem a etapa do sentar irão automaticamente facilitar a etapa seguinte, o gatinhar, ao mesmo tempo que outras funções surgem. Tudo isto de uma forma céfalo-caudal e maturando a actividade subcortical com o intuito de optimizar a cortical, responsável por funções perceptivo-cognitivas superiores. É deste modo que o neurodesenvolvimento vai acontecendo, numa integração dependente de vários factores, cuja estimulação é primordial para a sua eficiência. Os reflexos primitivos apresentam padrões típicos de movimento que nos permitem classificar a sua integração. Quando não estão integrados, encontram-se retidos e manifestam-se sobre a forma de disfunção. Na patologia, e dependendo dos casos, estão igualmente retidos ou até abolidos, isto é, não emergiram. Quer na disfunção, quer na patologia, há necessidade de intervenção. De todos os reflexos que existem, os emocionais, não deixam de ter a sua importância. A não maturação neste nível, nuns reflexos emocionais retidos, conduzem à manifestação de comportamentos que limitam a emergência de outras competências ou até a disfunção das mesmas aumentando a vulnerabilidade a situações stressantes. Imaginemos um adulto que tem um acontecimento importante: uma apresentação e que detém estes reflexos retidos. No momento de stress, o seu corpo demonstra “movimento”: sudorese, aumento da frequência cardíaca e eventuais manchas corporais, limitando o seu discurso na fluência, eventual gaguez, e pensamento numa tarefa menos bem sucedida. Na patologia, o mesmo mecanismo acontece quando estamos a ensinar movimento com o objectivo de alcançar a atenção na tarefa. Por isto, na intervenção todos os passos são estratégicos, metódicos e com vista a alcançar objetivos por patamares onde o conhecimento de todos os reflexos primitivos na sua origem, padrão típico, período de integração e sintomatologia associada à sua retenção é fundamental. Quantas pessoas conhecemos, com dificuldades de equilíbrio, concentração, orientação espacial, memória, entre outros, sem patologia associada, e que não compreendem a origem destas alterações? A base está na integração dos reflexos primitivos. A sua compreensão num conjunto de abordagens down-top, subcortical-cortical, optimiza a função no global, promovendo uma melhor eficiência do sistema nervoso. Conhecer quais os reflexos primitivos que não temos integrados e relacioná-los com as nossas dificuldades (sub ou corticais) manifestadas em alterações posturais (movimento) é a parte do todo, a nossa evolução. |