
Compreender a fáscia e as terapias miofasciais exige um conhecimento não só anatómico mas, sobretudo, funcional. A forma como a fáscia se distribui nas diferentes estruturas do nosso organismo e a maneira como ela reage às solicitações de toda a biomecânica, química e psico-emocionalidade inerentes ao funcionamento desse mesmo organismo e à busca incessante da homeostasia corporal.
O conhecimento de como todas estas áreas interagem entre si é fundamental para termos a noção da globalidade e interatividade de todas as estruturas do nosso corpo conseguindo, deste modo, chegar ao verdadeiro diagnóstico e desenvolver um plano de intervenção terapêutica adequada.
Vamos fazer uma fazer uma breve descrição do tipo de fáscias e a suas características funcionais bem como esclarecer o porquê de algumas reações tecidulares quando a fáscia é submetida ao estímulo das terapias miofasciais descrevendo as principais estruturas que contribuem para as respostas fasciais (e muito mais haveria para dizer…).
Assim sendo, e no que concerne aos tipos de fáscia e às suas características funcionais:
Fáscia de ligação
Compreende tecido conectivo denso que pode ser classificado como ativo ou passivo e que “inclui fáscias de músculos, fáscia de regiões (cabeça e pescoço, tronco, membros), aponeuroses, arcos tendinosos e baínhas neurovasculares”(1)
Fáscia de ligação ativa
Contém inúmeros recetores de dor e mecanorreceptores; é ativa durante o movimento e na estabilização das articulações e crucial para a transmissão de força. Ela pode ter a capacidade de contrair para oferecer pré tensão aos músculos. Exemplos: fáscia toracolombar; trato IT(2)
Fáscia de ligação passiva
Mantém continuidade entre as estruturas; tem funções propriocetivas(3); é passivamente envolvida na transmissão de força via colocação de carga a partir dos músculos(4). Exemplos: ligamento da nuca, aponeurose plantar.
Fáscia fascicular
Compreende uma mistura de tecidos conectivos frouxos e densos(5) que fornecem a forma arquitetónica dos músculos: Ela circunda os músculos (epimísio), bem como separa as fibras musculares (perimísio), enquanto cobre cada fibra muscular (endomísio)(6). A fáscia fascicular funde-se para formar estruturas miotendinosas densas. Esta rede fascial fascicular intramuscular age para espalhar e concentrar forças dentro dos músculos, bem como entre músculos sinergistas – via fáscia de ligação. Além disso, ela fornece uma variação de túneis protetores e trajetos
para nervos, vasos sanguíneos e estruturas linfáticas(6,7,8).
Fáscia de compressão
Essa estrutura de tecido conectivo denso encobre e separa os membros envolvendo camadas tipo lâminas(5,9). Por exemplo, a fáscia crural do membro inferior existe como coberturas tipo meias que variavelmente oferecem compressão e tensão, enquanto afetam fortemente a eficiência muscular e o retorno venoso. As camadas densas são separadas por tecido conectivo frouxo que facilita os movimentos de deslizamento entre elas, permitindo ações diferenciais de camadas individuais(10).
Fáscia de separação
Compreendendo principalmente tecido conectivo frouxo(5), este material fino como uma teia de aranha cria envelopes, bolsas, compartimentos, túneis, bainhas e revestimentos que separam órgãos e regiões do corpo, reduzindo a fricção enquanto oferecem potenciais de absorção de choque e de deslizamento, em resposta ao movimento, à tensão e à distensão(11,12). Exemplos: pericárdio, peritoneu, baínhas sinoviais(1).
Mas afinal, como é que a fáscia consegue responder aos estímulos das terapias miofasciais?
Que estruturas são responsáveis por toda a resposta tecidular que acontece para que os tecidos procurem a normalização do seu tónus, contribuindo para um equilíbrio estático e dinâmico do corpo com o objetivo de atingir o estado mais próximo possível da homeostasia do nosso organismo?
A resposta está nas principais estruturas que contribuem para as respostas fasciais:
Mecanorrecetores de Golgi
Estes são abundantes em tecido conectivo denso. Nas junções miotendinosas eles são conhecidos como órgãos tendinosos de Golgi e nos ligamentos e cápsulas articulares são os crepúsculos de Golgi-Mazzoni. Respondem à contração e ao alongamento muscular. O estiramento dos OTG causa o estiramento dos feixes de colagénio. Isso resulta na compressão das terminações sensoriais, fazendo com que fiquem ativadas. Estiramentos muito pequenos do OTG podem deformar as terminações nervosas que cursam por entre as fibras de colagénio(13). Portanto, as fibras Ib disparam sempre que há tensão no músculo, seja por uma contração ou por um alongamento. Porém, o alongamento passivo do músculo não é tão efetivo na ativação dos OTG(14,15).
Mecanorrecetores de Pacini e paciniformes
Estes recetores intrafasciais são encontrados no tecido conectivo denso. Os corpúsculos de Pacini na fáscia muscular, junções miotendinosas, camadas capsulares profundas e ligamentos espinais são relatados por responderem a mudanças na pressão e na vibração – mas não na compressão sustentada – com efeitos que levam a feedback propriocetivo aumentado e controlo motor.
Mecanorrecetores de Ruffini
Estes estão localizados no tecido conectivo denso, nos ligamentos das articulações periféricas, na dura-máter e nas camadas capsulares externas. Alguns respondem a mudanças rápidas de pressão, mas a maioria é afetada por pressão sustentada, ou estímulos rítmicos lentos, bem como por forças de alongamento tangencial.
Mecanorrecetores intersticiais
Estes oferecem informação sensorial, e são bem mais abundantes em feixes musculares e fáscia do que as estações de relato de Pacini e de Ruffini. A densidade mais alta está localizada no periósteo. 10% são mielinizados (Tipo 3), e o restante é não mielinizado (Tipo 4). Alguns são responsivos à pressão rápida, outros, ao alongamento fascial (e cutâneo). Outros são de limiar lento – respondendo a um toque muito leve e suave. Eles também são conhecidos como recetores de tecido miofascial intersticial (interoceptores). Há estudos que sugerem que esses interoceptores têm influências autónomas – sobre a pressão arterial, por exemplo.
Percebendo como a fáscia responde e interage com todas as estruturas do corpo, podemos integrar as terapias miofasciais, em conjunto com todas as ferramentas disponíveis para os fisioterapeutas, para que estes consigam dar resposta às necessidades e objetivos definidos e estabelecidos no plano de tratamento; sempre baseado numa avaliação holística e criteriosa tendo em conta todos os aspetos inerentes à pessoa que está a ser avaliada, passando pelos aspetos físicos, estruturais, viscerais, químicos e psicoemocionais, aumentando a eficácia das suas intervenções terapêuticas.
BASE DE APLICAÇÕES CLÍNICAS
Na indução miofascial, o terapeuta aplica um impulso manual de baixa intensidade ao sistema fascial. É utilizado um impulso de tensão (tração e / ou compressão) prolongado no tempo (Barnes, 1990). Por meio dela, a recuperação da qualidade do tecido fascial (matriz extracelular) é facilitada (Martínez Rodríguez, Galán-del-Río, 2013). Este processo é mediado por mecanismos moleculares associados à mecanotransdução celular, piezoeletricidade (Ahn, Grodzinsky, 2009), viscoelasticidade (Chaudhry et. 2007) e regulado “em tempo real” pelo SNC (Craig, 2003, Urresti-López, 2011) . É principalmente um processo instrutivo, na busca de um novo e ótimo nível homeostático por meio da recuperação da amplitude de movimento, tensão adequada, força e coordenação. O resultado final é transmitido em melhor funcionalidade com menor consumo de energia.
Ft e Osteopata Alexandre Novais