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Na ciência, cada vez mais imperam os fundamentos da evolução volitiva(14). Com a emergência dos trabalhos de
investigação que centralizam o papel das condições ambientais na biologia celular – Epigenética -, a resposta
deixou de ser, unicamente, a inevitável predisposição genética. O entendimento dos fatores externos e do seu
poder na expressão dos genes passou a ser determinante na opção por estratégias em saúde mais viáveis,
esclarecidas e eficazes.
Vivemos uma realidade científica onde, felizmente, a pertinência da Epigenética nos vem adicionando (muito
progressivamente) valor e robustez ao entendimento do porquê e do como das adaptações biológicas. E a
conclusão a que se chega é clara: a “força” do contexto influencia a função e a integridade celular!
Mas a relação já não é nova. Cinquenta anos antes da Teoria Evolutiva de Darwin, na qual as características do
organismo são o fenómeno central no progresso evolutivo aleatório dos seres vivos, Jean-Baptiste Lamarck
sugeriu, nos inícios do século XIX, que a evolução das espécies seria fruto de uma interação cooperante e
instrutiva entre os organismos e o ambiente(6). Tão atual Lamarck estava nas suas convicções que está à luz do
recente desenvolvimento científico!
Sem a influência do evolucionismo, talvez não fosse possível, hoje, percebermos e aceitarmos as relações que tão
familiares nos são. Dificilmente se estudaria a interferência de algo, noutra coisa qualquer, se não se
considerasse, à partida, que as relações, por si, são possíveis. Não seria viável e adequado escrever um artigo que
expusesse alguns dos sinais da capacidade que o exercício tem em alterar a função e estrutura cerebral, se os
investigadores não partilhassem a mesma base de pensamento que Lamarck, brilhantemente teorizou.
Comecemos a debater o exercício e o seu impacto na estrutura e função cerebral!
Os primeiros achados chegaram, no século XX, de investigações realizadas com ratos e as conclusões foram bem
interessantes. Nos ratos corredores foi no hipocampo, região cerebral essencial à aquisição e codificação de
novas memórias, onde se registaram as maiores adaptações e relações: aumento na proliferação/sobrevivência
celular e maior diferenciação neuronal correlacionada com a melhoria da plasticidade sináptica e memória(13).
Consideraram-se, como contextos explicativos para esses resultados, o potencial inibitório do exercício aeróbio
na ação do ácido gama-aminobutírico (GABA) – o principal neurotransmissor inibidor do Sistema Nervoso Central
(SNC) -, e excitatório na ação do ácido glutâmico – essencial na diferenciação neuronal e na plasticidade sináptica
(13). Tal como num carro, se o pé sai do travão, a probabilidade de ele andar é maior, certo? Em “linguagem neural” o contexto não foi muito diferente. O efeito inibitório do exercício aeróbio sobre GABA permitiu,
estruturalmente, privilegiar a influência glutamatérgica e de biomarcadores neurotróficos, conhecidos como
brain-derived neurotrophic factor (BDNF), que facilitou a neurogénese hipocampal, a expansão das terminações
dendríticas e, consequentemente, o aumento do número de sinapses(13).
Para que se consiga ter uma noção do que estas modificações implicaram na estrutura cerebral dos ratos
experimentais, após cumprirem, durante um mês, o programa de exercício aeróbio estipulado, estes
apresentaram duas a três vezes mais novos neurónios no hipocampo do que os sedentários e, incrivelmente,
essas adaptações tornaram-se evidentes a partir do terceiro dia depois de iniciada a rotina de exercício(2, 13).
Sem dúvida que depois de tantas conclusões pioneiras e esclarecedoras centradas no benefício neurofisiológico
do exercício aeróbio em ratos, foi inevitável a esperançosa expectativa de que as mesmas adaptações se
observassem na estrutura e função cerebral do humano. Corroborar essas expectativas ofereceria uma nova
visão na abordagem a processos neurodegenerativos e distúrbios mentais para os quais, até aí, o maior esforço
e investimento recaiu sobre a intervenção farmacológica.
O estudo mais relevante destas interações em humanos foi aplicado em adultos mais velhos e, tal como
observado nos roedores, foi no hipocampo o registo das maiores adaptações: formação de novas redes
vasculares e o aumento do seu volume em 1 a 2%. Com isso, funcionalmente, verificou-se uma melhoria nas
tarefas de recordação de figuras complexas e na eficácia da memória espacial(13). Cresceu a hipótese de que as
alterações cerebrovasculares poderiam ser indicadoras indiretas do efeito do exercício na neurogénese em
humanos, pelo aumento consequente das concentrações de BDNF, IGF-1 (insulin-like growth factor) e VEGF
(vascular endotelial growth factor). Todos estes biomarcadores de crescimento são precursores neurogénicos e
angiogénicos no cérebro humano(12,13). Considerou-se que a neurogénese hipocampal, bem como a eficiência das suas ligações, melhoram as pré-condições de aprendizagem, podendo beneficiar o processo de aquisição e
codificação de memórias(13). Impreterível referir que a grande maioria das investigações de relevância científica
reforçou estes resultados, incluindo em condições como Doença de Alzheimer, Parkinson, Ansiedade, Estados
Depressivos e Demenciais onde, consistentemente, a região hipocampal se encontra atrofiada(1,2,3,4, 5, 8, 9, 10, 12, 13).
Outra relação interessante é a de que o aumento da capacidade aeróbia poderá estar associada à melhoria da
condição cognitiva, bem como ao aumento da espessura do córtex frontal, em todas as idades(11). À luz da tão
grande interação entre o exercício aeróbio e o cérebro, alguns investigadores quiseram perceber se o exercício
resistido (hipertrofia vs. força máxima) também seria capaz de impactar o organismo, neurofisiologicamente.
Apenas se encontrou correlação positiva entre o aumento da concentração periférica dos níveis de BDNF com a
acumulação de lactato sanguíneo no exercício para hipertrofia muscular, o que sugere que o potencial
neurogénico humano poderá estar dependente da intensidade do exercício (próximo da fadiga) e do descanso
entre séries (curto)(7).
Esta foi uma breve exposição daquelas que são as mais recentes e fortes evidências sobre o exercício e o seu
potencial neurobiológico. E sabem? Nas últimas palavras escritas neste artigo, os resultados destas
investigações são o que menos quero engrandecer. Teremos, agora, um momento de introspeção. Onde é que eu
quero chegar? Notem: se em saúde, a eficácia e o sentido das abordagens depreende a investigação, pelos
fatores que influenciam a integridade e a função das células, sejam elas quais forem, nenhum destes achados
científicos é relevante se se esquecer que parte integrante do contexto potencial de mudança/evolução – o
ambiente, no organismo que nos procura – a pessoa, também somos nós – pessoas e profissionais de saúde, que
estudam, pensam e fazem. Ficou claro?
A intenção é o pensamento e a crítica em larga escala, a tal visão zoom in, o esclarecimento mais controlado e
significativo dos dogmas e a aplicação efetiva do conhecimento. Os diagnósticos não são totalmente
dependentes do destino e da inevitável predisposição genética. O enriquecimento contextual/ambiental pode
surgir como um, senão o, fator determinante, não exclusivo à saúde, mas sim às pessoas. E o impacto
neurofisiológico do exercício, a relação que me pareceu facilitadora na partilha destas conclusões globais, é
prova disso. Não considero adequado que o incessante foco no diagnóstico e seus meandros deva ofuscar a
aplicação do conhecimento fisiológico, básico ou complexo, necessário para um desenvolvimento saudável do
organismo.

 

Post Author: vivafisiosaude